Relator na Câmara ignora STF, propõe trancar ação do golpe contra Ramagem e abre brecha para beneficiar Bolsonaro
30/04/2025
(Foto: Reprodução) Comissão deverá votar parecer na próxima semana. PL pediu que Câmara paralise processo contra o ex-diretor da Abin até o fim do seu mandato como deputado; STF avalia que só uma parte pode ser suspensa. O ex-diretor-geral da Abin e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) ao chegar para depoimento na PF
PEDRO KIRILOS/ESTADÃO CONTEÚDO
O deputado Alfredo Gaspar (União-AL) votou nesta quarta-feira (30) pela suspensão integral da "ação do golpe de Estado" no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) até o fim do mandato parlamentar.
A posição defendida por Gaspar ignora posicionamento da Primeira Turma do STF, que considera ser possível paralisar apenas parte do processo contra o ex-diretor-geral Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Relator de requerimento do PL para trancar a ação contra Ramagem, Alfredo Gaspar também não delimitou explicitamente o alcance da paralisação do caso.
A falta de clareza pode, segundo governistas, abrir brecha para que uma eventual suspensão do processo beneficie outros réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Os membros da CCJ devem analisar o parecer e votar somente na próxima semana.
Governo e oposição discutem o pedido apresentado pelo PL para suspender o andamento da ação do golpe contra Ramagem no Supremo.
O partido usa como argumento um artigo da Constituição que dá ao Congresso o poder de "trancar" ações contra deputados e senadores por crimes supostamente cometidos depois da diplomação.
Ao lado de Bolsonaro, o ex-comandante da Abin é réu por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes.
Ele, que foi apontado como membro do chamado "núcleo crucial" do golpe, é o único parlamentar na ação.
Em ofício encaminhado à Câmara, o STF havia avaliado que a ação só poderia ser trancada parcialmente, considerando que três crimes teriam acontecido durante o governo Bolsonaro, antes de Alexandre Ramagem se tornar deputado.
Ao analisar o pedido do PL, Gaspar desconsiderou o entendimento da Corte. E afirmou que todos os "requisitos" para suspender integralmente o processo estavam "preenchidos".
"Considerando a necessidade de conferir autonomia e independência ao mandato exercido pelo parlamentar legitimamente eleito, não resta alternativa a esta Casa que não o sobrestamento da ação penal em sua integralidade", escreveu.
➡️ A CCJ é a primeira etapa deste tipo de pedido. A decisão final é do plenário da Câmara e exige 257 votos favoráveis — a chamada "maioria absoluta".
Se aprovado o recurso do PL, a ação contra Alexandre Ramagem ficará suspensa enquanto durar o mandato de deputado federal.
Em resumo:
O PL, no pedido, defendeu paralisar todo o processo contra Alexandre Ramagem até o fim do mandato, em 2026.
O STF, questionado pelo PT, afirmou que as regras só permitem uma paralisação parcial – de dois dos cinco crimes listados;
Alfredo Gaspar não só ignorou o alerta do STF, como abriu brecha para estender a suspensão aos demais réus do 'núcleo crucial' do golpe.
Alternativa para Bolsonaro
O parecer de Alfredo Gaspar atende a uma intenção do PL que nem sequer estava colocada no pedido inicial: a possibilidade de travar a ação penal inteira, contra os outros réus do inquérito do golpe.
O texto, como está, abre margem para trancar até a ação penal contra Bolsonaro.
O relatório diz que ficará sustado o "andamento da Ação Penal contida na Petição n. 12.100, em curso no Supremo Tribunal Federal, em relação a todos os crimes imputados".
O texto não faz qualquer menção exclusiva a Alexandre Ramagem.
Nesta quarta, deputados da oposição fizeram piada com as críticas de governistas, que apontaram a existência de uma brecha, no parecer de Gaspar, para beneficiar Bolsonaro e outros denunciados.
Um deputado afirmou que a "culpa" não é da Câmara. "A culpa é do STF que quis colocar todos os réus em uma única ação penal", ironizou.
Questionado pelo g1 se o parecer abre brecha para beneficiar outros réus além de Ramagem, Alfredo Gaspar disse que não cabe a ele fazer esta interpretação.
"O que eu fiz foi só copiar o texto da Constituição. Se vai abranger outros, não cabe a mim", resumiu.
Bolsonaro é o 1º ex-presidente a se tornar réu por atentar contra a democracia
O professor do IDP e doutor em Direito Público Ademar Borges discorda da abrangência do texto — defendida pela oposição e questionada por governistas. Segundo ele, a Câmara só tem competência para suspender um processo em relação a um parlamentar específico, e não para todos os réus.
"Na verdade, a discussão é sobre se a suspensão da ação penal vale para todos os crimes imputados na ação penal ou apenas para os crimes cometidos após a diplomação como deputado. Não se trata, em qualquer desses casos, de decidir se a suspensão alcança ou não outros réus: a Casa Legislativa só tem poder para suspender a ação penal, ainda que parcialmente, em relação ao parlamentar, nunca em relação a outros acusados", afirma.
Ademar Borges diz, ainda, que somente o Supremo seria capaz de rever este entendimento.
"De qualquer forma, neste caso específico, há decisão do STF restringindo a possibilidade de suspensão da ação penal em relação ao deputado aos fatos supostamente praticados após a sua diplomação. Nesse contexto, somente o STF poderia rever essa posição por meio de recurso próprio."
STF vê limites para ação da Câmara
Zanin diz que Câmara não pode suspender íntegra do processo do golpe de Estado contra Ramagem; entenda
Após ser consultada pelo deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), na última semana, a Primeira Turma do STF notificou a Câmara e afirmou que os deputados não podem suspender a íntegra do processo contra Alexandre Ramagem.
Assinado pelo presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, o ofício diz que a Câmara poderia suspender a ação de Ramagem em apenas dois crimes: dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Segundo Zanin, os outros três crimes atribuídos a Alexandre Ramagem — tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa — teriam ocorrido após a diplomação do deputado, em dezembro de 2022.
E, portanto, não seriam abrangidos pelo trecho da Constituição que trata das prerrogativas parlamentares.
Ao votar para tornar Ramagem réu, em março, o ministro do STF Alexandre de Moraes afirmou que havia indícios de que o ex-diretor da Abin tenha participado da disseminação de notícias falsas sobre suposta fraude às eleições.
O PL critica a decisão da Primeira Turma que colocou Alexandre Ramagem no banco dos réus pela tentativa de golpe. O partido afirma que não foram consideradas "garantias constitucionais mínimas" e que a paralisação da ação é necessária para "cessar ameaça de lesão à atividade parlamentar".
Considerado um aliado de Bolsonaro, Alfredo Gaspar concorda com o PL no parecer – e diz que é "impossível não verificar a fragilidade dos indícios".
Afirma, ainda, que Ramagem está sendo "submetido a uma provável injustiça". Ele também defende que não é hora de "tibieza" na Câmara dos Deputados.
"Não podem existir Poderes sobrepostos, mas sim harmonia e independência entre eles para o fortalecimento institucional igualitário", escreve.
Réu por cinco crimes
Não há dúvida da participação de Ramagem na organização criminosa, diz Moraes
Diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo de Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem se tornou réu, no Supremo, por suposta participação em uma tentativa de golpe para manter Bolsonaro no poder após a derrota nas urnas em 2022.
Ao todo, Ramagem responde por cinco crimes:
tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
tentativa de golpe de Estado;
organização criminosa;
dano qualificado;
deterioração de patrimônio tombado.